Há livros que não se contentam em ser páginas: eles se tornam presenças.
Assim é a Pedagogia do Bom Senso, de Célestin Freinet.
Um título singelo, quase modesto, mas que guarda dentro de si a ousadia de devolver à escola aquilo que lhe é essencial: a vida.
Freinet nos sussurra que educar não é decorar teorias ou obedecer a normas rígidas.
Educar é escutar o chão batido da aldeia, o sopro do vento nos campos, o ritmo dos passos das crianças.
É olhar para o cotidiano e nele enxergar a centelha do conhecimento.
O bom senso de Freinet não é racionalismo frio.
É sensibilidade encarnada.
É a sabedoria que nasce da experiência, da prática, do contato direto com a terra e com a gente.
É a recusa da escola como prisão e a defesa da escola como ateliê da vida.
O gesto simples que se torna poesia
Na Pedagogia do Bom Senso, Freinet não nos oferece receitas, mas gestos.
Gestos de quem sabe que a criança aprende andando, tocando, inventando.
Por isso propõe o texto livre, a imprensa escolar, as aulas-passeio, a assembleia democrática.
Não há nada de extraordinário, dirão alguns.
Mas é justamente aí que reside a poesia: o extraordinário brota do simples,
a beleza habita no comum, e a democracia começa na escuta de uma criança que tem algo a dizer.
A escola que pulsa
Freinet lembra que a sala de aula não pode ser lugar de silêncios impostos, de palavras sem sentido ou de conteúdos que não se ligam à vida.
A escola precisa respirar. Precisa cheirar a tinta fresca da tipografia das crianças,
precisa ecoar risos que se transformam em histórias impressas, precisa guardar nos cadernos a poeira dos caminhos percorridos nas aulas-passeio.
Seu bom senso é quase um grito poético:
Não compliquemos o que pode ser simples, não endureçamos o que pode ser flexível,
não afastemos da escola o que dá sabor à existência.
Docência democrática: o bom senso como presença
Quando educadores e educadoras se perguntam o que é uma docência democrática como ato poético, Freinet responde com sua vida e sua obra: democracia é abrir espaço para a palavra do outro;
poesia é transformar o cotidiano em criação.
O bom senso de sua pedagogia é, afinal, o bom senso da escuta: escutar a criança, escutar a comunidade, escutar o mundo. Não há estética maior do que a de um educador que se deixa tocar por essa escuta, que transforma o banal em beleza e o comum em possibilidade.
Presença viva
No tempo acelerado e fragmentado em que vivemos, a Pedagogia do Bom Senso ressoa como convite à pausa. Freinet nos chama a descomplicar a escola, a confiar na experiência, a devolver às crianças a autoria, a cultivar no professor a coragem de ser simples.
O bom senso, em Freinet, é mais do que racionalidade: é arte da presença.
É quando a docência, em sua ternura e firmeza, se torna também poesia.
É quando a escola deixa de ser obrigação e se torna encontro.
É quando ensinar e aprender se tornam verbos que florescem na mesma seiva.
Para guardar como imagem final
Imaginemos uma manhã na pequena escola de Vence.
As crianças voltam de uma aula-passeio: nos bolsos, pedras e folhas; na cabeça, perguntas; no coração, histórias.
Sentam-se diante da tipografia, escrevem, imprimem, leem em voz alta.
Freinet sorri.
Ali, o bom senso se fez poético: a escola é vida que respira, é comunidade que inventa, é democracia que floresce.
E ainda hoje, em nossas salas de aula, esse sopro pode continuar.