Territórios de Aprendizagens para crianças pequenas e pequeninhas

Há palavras que nascem no chão da escola. Elas brotam do contato com o brincar, do riso das crianças e da escuta atenta do educador que se deixa atravessar pela vida que pulsa. “Territórios de aprendizagem” é uma dessas expressões que carregam, em sua essência, o desejo de tornar cada espaço da infância fértil para descobertas, invenções e encontros.

O que são territórios de aprendizagens?

Podemos pensar nesses territórios como paisagens vivas, não apenas lugares físicos, mas também tempos e atmosferas que convidam o corpo, a imaginação e a curiosidade a se manifestarem. Eles são tecidos com gestos sensíveis, escolhas estéticas e com a intencionalidade pedagógica de quem compreende que a infância não se limita às atividades programadas, mas se expande em cada canto onde a criança encontra liberdade para explorar.

Quando falamos de crianças pequenas e pequenininhas – bebês e crianças da primeira infância –, é preciso reconhecer que os territórios de aprendizagem não se resumem às paredes da sala ou ao parque. Eles se estendem ao tapete que acolhe o engatinhar, à sombra da árvore que convida ao descanso, à caixa de papelão transformada em barco e também ao olhar do educador que se demora no tempo da criança.

O chão da infância como lugar de descoberta

Muitos autores da pedagogia sensível – entre eles Loris Malaguzzi, Paulo Freire e Madalena Freire – nos lembram que aprender é um ato profundamente humano, que se constrói no diálogo e na experiência. O território, nesse sentido, é o campo onde esse diálogo acontece: é o chão que acolhe, mas também é o silêncio que dá passagem à escuta.

Um bebê que descobre a textura da grama com suas mãos está ocupando um território. Uma criança que, com pedaços de papel, inventa uma casa para sua boneca, está desenhando outro. São experiências que ganham corpo e sentido quando a escola se abre para compreender que o espaço educativo é, antes de tudo, um espaço relacional.

A presença do educador

Se a infância cria territórios com sua própria potência inventiva, o educador é aquele que dá contorno e cuidado a esses espaços. Ele não interfere para moldar a experiência, mas para ampliá-la. Sua presença é atenta, delicada, capaz de enxergar quando a criança precisa de segurança para ousar e quando ela precisa de liberdade para se arriscar.

Podemos imaginar a educadora que coloca um cesto de objetos do cotidiano ao alcance dos bebês. Não há instruções formais, apenas o convite silencioso à exploração. O território nasce no instante em que o bebê escolhe um colar de madeira, experimenta o peso nas mãos, escuta o som que ele faz ao bater no chão. A educadora, com seu olhar amoroso, sabe que esse gesto simples é o início de um caminho cognitivo, afetivo e simbólico.

Territórios estéticos

Cada território de aprendizagem se compõe também de uma dimensão estética. As cores, os materiais, a iluminação, os sons e os cheiros participam da experiência da criança. Madalena Freire nos convida a compreender que a estética da sensibilidade é um princípio da democracia na escola, porque respeita o direito de cada um viver a beleza no cotidiano.

Na prática, isso significa cuidar da disposição dos objetos, escolher materiais naturais, oferecer ambientes que provoquem encantamento e pertença. Um tecido colorido que se movimenta com o vento pode ser mais pedagógico do que uma ficha impressa. Uma caixa aberta cheia de pedras, folhas e sementes pode abrir mundos mais vastos do que qualquer brinquedo pronto.

Narrativas que nascem do cotidiano

Para que esses territórios se tornem reais, o registro do educador é fundamental. As narrativas docentes – escritas, fotográficas, desenhadas – não são apenas memória, mas também reflexão e partilha. Ao registrar, o professor não se limita a contar o que aconteceu; ele se reconecta com o vivido, encontra novos sentidos e permite que a experiência da criança inspire outras práticas.

Por exemplo:

  • Registro 1 – “Hoje, Ana, de dois anos, descobriu que os blocos de madeira faziam sombras diferentes na parede quando encostados à luz da janela. Ficou longos minutos movendo cada bloco, como se estivesse pintando com o sol. O silêncio dela era de uma concentração profunda.”
  • Registro 2 – “No pátio, os bebês se interessaram pelo balde de água deixado perto da horta. Logo estavam com as mãos mergulhadas, experimentando a sensação fresca. Um deles percebeu o reflexo do próprio rosto e começou a sorrir para si mesmo.”

Essas pequenas narrativas são sementes de reflexão para toda a equipe. Elas revelam que a aprendizagem não se mede apenas em conteúdos, mas em experiências significativas que ampliam a vida.

Territórios de escuta

Entre todos os territórios de aprendizagens, talvez o mais importante seja o da escuta. Escutar não é apenas ouvir o que a criança diz, mas reconhecer o que ela comunica com o corpo, com os silêncios, com os olhares.

Quando um bebê recusa um objeto e prefere olhar fixamente para uma borboleta que passa, ele está dizendo algo sobre seu interesse. Quando uma criança pequena insiste em repetir a mesma brincadeira, ela está revelando que precisa aprofundar aquele aprendizado. A escuta do educador é o território que legitima a expressão da criança, que valoriza seu protagonismo e que permite que a prática pedagógica seja construída em diálogo.

Territórios compartilhados

A aprendizagem na infância é sempre coletiva. Os territórios se ampliam quando as crianças convivem, brincam juntas, negociam papéis, aprendem a esperar, a compartilhar, a cuidar. O parque vira cidade, a caixa vira barco, a corda vira serpente – e tudo isso só acontece porque há uma trama de relações que sustenta a imaginação coletiva.

Cabe ao educador favorecer esses encontros, organizar os espaços de forma que promovam interações, e, sobretudo, confiar que as crianças são capazes de aprender umas com as outras.

Desafios contemporâneos

Criar territórios de aprendizagens na contemporaneidade é um desafio, pois a pressa, o excesso de conteúdos e a lógica produtivista muitas vezes invadem a escola. Corremos o risco de transformar a infância em uma corrida de etapas, esquecendo que cada criança tem seu tempo.

A resistência poética do educador se faz justamente em preservar o tempo lento, a possibilidade do encantamento, a alegria de aprender brincando. Como nos lembra John Dewey, a experiência é a base da educação. Mas é preciso coragem para defender essa experiência em meio às pressões externas.

Educar como semear territórios

Pensar em territórios de aprendizagens para crianças pequenas e pequenininhas é assumir que educar não é preencher vazios, mas semear possibilidades. É reconhecer que a infância já é inteira, que não espera ser moldada, mas apenas ser acolhida em sua potência.

Cada território criado revela a confiança que se tem em cada crianças.

Vamos pensar um pouco sobre a experiência escolar do Jardim Fabulinus, na Argentina, que oferece cantinhos de exploração sensorial, jogos com água, massa e luz, belas composições e ambientes acolhedores em áreas internas e externas.

Territórios de Aprendizagem no Jardim Fabulinus

O Jardim de Infantes Fabulinus, em General Pacheco, Argentina, é reconhecido por seus ambientes cuidadosamente pensados concebendo o espaço como um ator central no processo educativo.

1. O que são “Territórios” no Fabulinus?

No Fabulinus, os territórios são espaços físicos e simbólicos criados para favorecer a experimentação, o jogo e a produção estética. Eles são geradores de símbolos culturais, lugares de encontro, experimentação, jogo e participação.

2. Exemplos de Territórios

Alguns dos territórios mencionados no projeto pedagógico incluem:

  • Território de Jogos com Água
  • Território de Jogos com Areia
  • Território dos Planos Inclinados
  • Território dos Espelhos
  • Território das Pedras e dos Dinossauros
  • Território das Construções
  • Território da Luz
  • Território das Composições
    …e muitos outros, cada um com sua própria linguagem sensorial e simbólica.

3. Fundamentos Pedagógicos

Ambiente como terceiro educador

O Jardim Fabulinus entende o ambiente como um terceiro educador acentuando a importância da linguagem nos ambientes oferecidos. Os espaços são organizados para serem vividos, sentidos e dar visibilidade a uma infância plena de potencialidades das crianças.

Pedagogia da Escuta e Documentação

A postura docente é a de um pesquisador sensível, que observa, escuta e documenta o processo das crianças, valorizando seus múltiplos modos de aprender e se expressar. A documentação, que inclui registros fotográficos e narrativos, conecta a prática pedagógica com as famílias e a comunidade escolar.

Projeto Estético como Identidade

A estética é vista como uma dimensão ética do projeto educativo. Os territórios não apenas acolhem atividades, mas expressam a identidade pedagógica da escola, traduzindo valores e imagens de infância em ambientes visuais e táteis.

4. O Impacto Vivo desses Territórios

Podemos pensar que o Fabulinus convida as crianças a explorar e descobrir com liberdade: oferecendo mesas de areia, jogos de água, espelhos em diversas formas e ângulos nos corredores e salas, grandes espaços verdes, materiais para a arte , documentações pedagógicas em paredes, pisos e tetos, vemos as infinitas possibilidades de exploração, pesquisa e encantamentos nessa forma de pensar a educação.

A própria dinâmica de brincadeira e experimento favorece uma vivência infantil a ser documentada e pensada com a própria infância e educadores.

5. Uma Trilha Pedagógica Inspiradora

O Fabulinus também se tornou referência formativa para outros profissionais.

Territórios que falam

Cada território no Fabulinus é um convite sussurrado à descoberta — a água que brilha em uma bandeja chama o toque da mão infantil; a areia que dança sob os dedos desperta memórias ancestrais de jogos livres; o espelho que reflete brincadeiras espelha a própria infância. Eles são mundos contidos, onde o olhar do educador é gentil, atento e reverente.

Espaços que acolhem e transformam

Os territórios não estão ali para ensinar conteúdos, mas para habitar sentidos. Um corredor com espelhos se transforma em um reino de reflexos e curiosidade. A mesa de luz projetando sombras revela trajetórias invisíveis e possibilidades de leitura visual. Aqui, o ambiente é voz e o brincar, poema.

Uma pedagogia vivida com afetividade

O Fabulinus não esconde sua fonte de emoção: cada solução arquitetônica, cada canto organizado com cuidado, traz consigo um afeto coletivo — dos educadores que documentam com ternura às crianças que se aninham nos espaços com segurança e liberdade.

Assim, a docência se torna presença. E o ensinar, em sua dimensão mais poética, deixa de ser mera transmissão para se tornar partilha de mundos.

Em outros artigos vamos detalhar um pouco mais essas belezas!

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